Apesar dos castigos e ameaças veladas de deportação para as pedreiras, Alfamix e Mourarix continuavam determinados na sua missão de arregimentar todos os colegas arquitectos para a luta pelo reconhecimento do livre exercício da profissão.
Mas a coisa não estava fácil, parecia que a classe estava imbuída de uma letargia paralisante.
Em desespero de causa, decidiram passar a novas formas de acção, quiçá mais progressistas.
Sem chamar as atenções, matéria na qual não era propriamente exímio, Mourarix colocou pela calada da noite um menir em granito Vermelho de Barbacena no átrio central do Palácio da Coorte de Apreciação de Projectos de Olissipo, em forma de obelisco e de superfície lisa, encimado pela seguinte mensagem esculpida a cinzel:
“Arquitectos: Deixai aqui cinzelada a vossa desafrontada opinião de classe, neste Bloco” (NR- Esta concepção de transmissão e partilha de ideias viria a degenerar posteriormente num modo de comunicação amplamente difundido, tendo visto a sua designação corrompida, de bloco para blog)
Estrategix, apercebendo-se da manobra subversiva, logo tratou de alçar a perna sobre o Bloco Vermelho, rosnando em tom reaccionário:
“Julgam que me fintam… este já está marcado!”
No dia seguinte, ao passar pelo átrio e mirando disfarçadamente o panfleto progressista, Alfamix e Mourarix puderam confirmar, desalentados, que a pedra continuava tão limpa como a tinham deixado… Nada, nem um reles comentário pintado pelo pseudo-colega Graffitix!
- Mourarix, isto não pode ser, temos de dar o exemplo, por Otelus! – exclama Alfamix.
Num ápice, saca do cinzel e esculpe no Bloco:
“Viva a luta das classes arquitectónicas!”
- Boa, Alfamix! – entusiasma-se Mourarix, que não querendo ficar atrás, esculpe também:
“Nem mais um arquitecto para as pedreiras!”
Satisfeitos com a marca revolucionária impressa no Bloco Vermelho, trataram de fazer passar aos colegas de todas as Unidades de Palácios da Coorte a ideia de que o impulso inicial estava dado. Agora era só uma questão de ir acrescentando no Bloco outros slogans progressistas que constituiriam o germinar da revolta…
Passaram dias, semanas, e nada…
Apenas aqueles dois manifestos, solitários e isolados…
Inconformados, convocaram uma Reunião Geral de Arquitectos (NR- forma violenta de expressão colectiva que daria origem às famigeradas RGA’s, após a queda do Império do Largus Carmus).
Presidiu, como era de regra, Cêmêlix, o Chefe da Tribo, ribombando alcandorado em cima do escudo suportado por Mourarix:
- Arquitectos, está aberta a sessão, por Vascus Lourençus! A língua que se agita entre os vossos dentes só pode falar a verdade, e apenas deveis recear que o Céu se abata sobre as vossas cabeças! Mas amanhã não será a véspera desse dia!
Alfamix toma a palavra, e empunha o cinzel numa atitude liderante, bradando:
- Camaradas! Tomai consciência da vossa luta de classe! É imperioso dar início ao PRAC (NR- Processo Revolucionário dos Arquitectos com Curso), porque só através da acção revolucionária conseguiremos atingir os nossos objectivos, esmagando sem piedade a escravização fascizante do Governador e seus reaccionários acólitos!
Mourarix, espantado, pensava para si: “Ena, por Arnaldus Matus! Não lhe conhecia estes dotes oratórios de Grande Educador da Classe Arquitectónica…”
Estrategix, esse, nem queria acreditar… Havia ali muita matéria em potencial para posterior relato à PIDE (NR- Polícia Imperial de Denunciantes de Escravos).
Alfamix continua o seu incendiado discurso:
- Registo a vossa conformada atitude, imprópria de qualquer arquitecto que se preze, indigna da consciência de classe sublimemente propagandeada pelo Grande Karlus Marxus! Este facto irá ser participado ao Comité Central de Arquitectos! Há já pelo menos XV luas que o Bloco Vermelho aguarda a vossa indispensável contribuição, e nada! Tereis porventura olvidado os ensinamentos do Livro Vermelho, do Grande Maotsetungus? Quereis que vos mande a todos para os leões do Campus Pequenus?
A classe emudecia, consciente da grave e imperdoável falta cometida.
Mas Alfamix estava imparável:
- A Reacção Romana não passará, pelo Grande Fidelis Castrus! Abaixo o domínio imperialista do Governador Antonius o Africano! Abaixo a toga aos riscos do Senador Salgadus Maximus! Abaixo a Comissão de Extinção da Coorte! Viva o MFA, Movimento das Forças Arquitectónicas! Viva o Conselho da Revolução Arquitectónica!
A classe ouvia, incrédula, cada vez mais estarrecida…
Num corolário desta dialéctica apaixonada, Alfamix, destilando ímpeto revolucionário por todos os poros, salta desvairado para cima do escudo ocupado por Cêmêlix, e num autêntico acto de golpe de estado bolivariano, atira-o para fora do trono, berrando em tom inflamado:
- Camaradas, o povo arquitectónico é sereno! Levantai bem alto o estandarte dos Arquitectos, e cantai comigo, por Vascus Gonçalvus! Agora, os arquitectos unidos nunca mais serão vencidos, nunca mais serão vencidos…
- Alfamix, passaste-te!? - exclama Mourarix, esforçando-se por manter o periclitante equilíbrio do escudo, com os frenéticos pinotes do amigo.
Quanto à turba, mantinha-se muda e queda… Nem um pio…
Estrategix gania de prazer, rebolando-se de puro gozo, antecipando o manancial da incontornável denúncia.
Timidamente, a classe organiza-se em sussurrado conciliábulo, e ouve-se finalmente uma voz muito sumida, arriscando:
- Bom, como sabeis, Alfamix, eu tenho de impedir as investidas dos Infiéis, zelando pelo castelo… - era Castelix balbuciando.
- Pois, eu também não posso desamparar os meus camaradas escravos, todos não somos demais para puxar pelo ascensor da Bica… - furta-se Bicax.
- Eu não posso iniciar-me nessas andanças, senti a chamada do Senhor, e vou ingressar como noviço no Convento do Beato… - exime-se Beatox.
- E eu, eu gosto muito de curtir uma cidra à pressão, apreciando os reflexos prateados do Tagus nas belas noites ao luar, sentado numa esplanada da Madragoa… – confessa Madragox.
- Eu cá, o meu negócio é mais controlar a copofonia náutica, ali para os lados das Docas… - desculpa-se Alcantarex.
- Pois, esse tipo de acções fazem-se de dia, e eu sou mais pela actividade nocturna… - esquiva-se Bairraltox.
- Ah, eu tenho de repor diariamente as bolas de naftalina que conservam todos aqueles trajes, no Museu das Armaduras… - recusa-se Lumiarex.
- Já não me lembrava, esta época não contem comigo, tenho de ir apanhar as azeitonas das minhas oliveiras… – sussurra Olivax.
- É pá, tenho de ir ver se já ligaram a água no Aqueduto… - escapa-se Campolidex.
- Tenho muita pena, mas a minha forma de luta é a música! – afirma Carnidex. Como tal, e para vos animar, o máximo que posso fazer é cantar uma ode revolucionária muito em voga lá no meu coreto. E começa a trautear “Grandolix, villa romana”, sendo de imediato agarrado pelos colegas e amarrado a uma árvore…
Restava Marvilax. Os colegas apontam-lhe as baterias, quase implorando “vê lá se te sais com alguma desculpa consistente…”
- Ah, porque sou jovem , e tal… - disfarça Marvilax, assobiando para o lado.
E a classe debandou, sorrateira…
Alfamix cai na real, e desce do escudo, assentando os pés na terra…
- Pois é, Alfamix, "In patria natus non est propheta vocatus…” (Ninguém é profeta na sua terra) – constata Mourarix.
- Não sei bem porquê, mas estou com aquela sensação de ter estado a “Verba perdere…” (Gastar o latim) – confessa Alfamix.
Alfamix e Mourarix, num total desalento, arrastaram o obelisco do Bloco Vermelho, atirando-o pelo precipício das pedreiras abaixo, onde se pulverizou em migalhinhas inúteis.
A fórmula na génese do Bloco, porém, resistiu ao passar dos tempos, conduzindo aos blogs actuais, sítios por excelência ideais para a troca muito participativa e partilhada de ideias sobre qualquer matéria.
Coisa que, pelos vistos, não sucede com este…
“Noli proicere margaritas ante porcos” (Não deites pérolas a porcos)
2 comentários:
Caro Numerobis
Cada vez a batalha está mais difícil, com tantas desistências na formatura, como será na frente da Batalha?
Temos que pedir ajuda ao Louçã que também tem um Bloco. Pode ser que este seja mais atractivo para cinzelar
Tens toda a razão, caro Numerobis!
Agora, vê o Post seguinte!
Eu sei que não há muitas (nenhumas) ideias! Tal como não há valores, coragem, trabalho e dinheiro!
Mas, "não há machado que corte a raíz ao pensamento!"
E, agora, falando a sério: Parabéns pela tua coragem em colocar a tua imagem nos comentários. Estás muito bem...até pareces mais novo! Os meus parabéns!
Enviar um comentário