domingo, 14 de junho de 2009

O GRANDE BANQUETE

Alfamix e Mourarix andavam nas nuvens…

Tinham finalmente conseguido juntar todos os colegas da Coorte de Apreciação de Projectos de Palácios de Olisipo, organizando um grande banquete no recinto da Feira Popularum, para comemorar a extinção da obrigatoriedade de martelar em Gesturbix Graniticus, notícia que tinha começado a circular como parte do bodo aos pobres distribuído aos escravos olisiponenses, por ocasião das Festas dos Deuses Populares.

Castelix, Madragox, Campolidex, Carnidex, Alcantarex, Bairraltox, Bicax, Marvilax, Olivax, Beatox, Lumiarex, tinham todos comparecido à chamada… era uma festa!

O Chefe da Tribo, Cêmêlix, deu início à orgia, apregoando alto e a bom som do alto de um menir de Gesturbix Graniticus, simbolicamente rachado ao meio:

- Arquitectos! Não vos esqueçais que a única coisa que deveis temer é que o Céu vos caia em cima da cabeça, e se isso acontecer culpai os engenheiros, que não fizeram bem os cálculos dos vossos projectos! Mas amanhã não será a véspera desse dia! E agora, ao ataque!

Começou o festim, com grandes doses de sardinha assada e cozido de javali à olissiponense, bem regados com sangria de cidra tintol, tudo preparado e servido aos convivas pelas mulheres da tribo. Sim, pelas mulheres… naqueles tempos não havia essas modernices de sentar mulheres à mesa!

Mourarix deliciava-se, agarrado a uma fumegante e substancial sanduíche de toucinho de javali, com uma sardinha por cima, para disfarçar. Como de costume, só apreciava as iguarias mais consistentes, as verduras e o peixe deixavam-no muito fraquinho…

Estrategix entretinha-se roendo um osso, escondido debaixo do famoso cromeleque em ruínas da Feira Popularum. O canídeo sofria de agorafobia, e aquele recinto agora tão extenso e arrasado provocava-lhe uma sensação de pânico, quiçá por más recordações dos tempos em que tinha andado por lá a correr desalmadamente, com o rabo entre as pernas, fugindo das fogueiras ateadas por ordem da Inquisicância Olisiponensis…

Mas eis senão quando, o bruá do banquete é interrompido pelo alarmante som de tonitruantes trombetas, anunciando a entrada no recinto de um séquito de vassalos do Governador Antonius o Africano, transportando numa luxuosa liteira o Próprio…

Já naqueles recuados tempos, a interrupção de uma orgia de arquitectos era algo comparável ao famigerado coitus interruptus, e constituía uma actividade perigosa, mesmo para um Governador…

Mourarix, furioso, preparava-se já para ensaiar o seu famoso lançamento de toucinho, apontando à ilustre figura do emérito representante do Imperador…

Alfamix, saltando para cima da mesa, desafia:

- Governador Antonius! Que pretendeis, por Cottinelius? “Retro sedet ianuam, non invitatus ad aulam!” (A boda e a baptizado, não vás sem ser convidado).

- Escravos! Ouvi bem o que vos ordeno, por Zapaterus, ou ides todos parar às galeras! – bradou o Governador.

Estrategix mantinha-se agachado debaixo dos restos do cromeleque, rosnando e aguardando o desenrolar dos acontecimentos, a farejar para que lado iria pender o desenlace, mas sem largar o osso…

- Mau, mau, não auguro nada de bom… - desabafa Alfamix. - Querem ver que é desta que nos põem a projectar antas nas necrópoles? (NR – este costume foi retomado séculos depois, nos tempos do Governador Abecassius o Cristão, com a deportação de arquitectos para os gulag dos cemitérios).

- A partir de hoje, acabou-se a adoração monoteísta da Gesturbix Graniticus! – anuncia com grande pompa o Notável.

- Já cá se sabia, Grande Toininho, “sero venisti”! (Tarde piaste) – exclama a classe arquitectónica em tom de gozo, ligeiramente embotada pela quantidade de sangria já emborcada, sem alcançar ainda a derradeira finalidade da comunicação…

- Ainda não acabei, ignotos servos! Por édito do nosso Grande Imperador Pinochius Socretinus, não só a Gesturbix Graniticus não irá ser banida, antes pelo contrário, ides passar a ter de martelar também em Portalix Autarquicus!!! Assim se manterão as melhores tradições pluralistas e politeístas do Império! E que o Grande Servidorius vos livre de invocar o Seu nome em vão! Dixit!

- Ohhhhhh!!! – foi o brado geral de desilusão, seguido de um silêncio sepulcral, enquanto a revolta se instalava entre a turba.

- Ahhhhhh, miserável arauto da desgraça, ides pagá-las, por Santantonius! – explode Mourarix.

E com o incontrolável ímpeto que lhe conhecemos, salta por cima da távola sem largar a sandes mista, e paf! dispara com aquela poderosa arma um dos seus típicos piparotes na fronha do Ilustre Governador, com a subtil meiguice de uma catapulta.

O coitado levantou órbita, qual míssil embrulhado numa toga esvoaçante, juntamente com o toucinho e a sardinha, indo tudo aterrar num barco de piratas somalis que navegavam calmamente na barra do Tagus, à procura de sustento sequestrável.

Estrategix, ainda agarrado ao descarnado osso, é que não achou muita graça à brincadeira… Então como é, nesta altura de crise, deitam-se fora desta maneira quantidades industriais de toucinho?

- À abo’dagem, à abo’dagem!! – exclama aterrorizado o pirata de turno na cesta da vigia, para os seus colegas no convés, ao ver o que caía dos céus. – ‘Tamos a sê bomba’deados com peixes voado’es e g’andes toucinhos de po’co p’eto!!!

“Faecem bibat qui vinum bibit”. (Quem comeu a carne, que roa o osso)

2 comentários:

"O Arquitecto" disse...

Que dizer?

Soberbo!

Mas, como sempre, só para alguns!
Desta forma, eles não chegam lá!

(Temos pena, mas paciência!)

Aquela parte em que dizes: "Estrategix mantinha-se agachado debaixo dos restos do cromeleque, rosnando e aguardando o desenrolar dos acontecimentos, a farejar para que lado iria pender o desenlace, mas sem largar o osso…" está espectacular!

Será que entendem?

Gostei muito do "pirata de turno" que gritava: "Tamos a sê bomba'deados com...e g'andes toucinhos de po'co p'eto!!!"

Parabéns! E até breve...

O Galego disse...

Mas que grande banquete!
Eles comem-nos a carne e já não querem roer os ossos.
Levamos com a mobilidade e vamos parar ao fundo do Rio Tagus, não para orgias, mas sim para alimentar os peixinhos!