terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Uma história digna de Kafka


Um colega nosso, Arquitecto Camarário, em tempos idos, quando jovem, criou uma pequena empresa – Atelier – onde desenvolvia os seus pequenos projectos de Arquitectura.

Com o passar dos anos, entrou para os quadros da Câmara e a sua pequena empresa, cada vez mais, foi ficando em segundo plano.

A escassez de encomendas e a cada vez maior suspeição sobre os Arquitectos camarários com a recusa sistemática na concessão de acumulação de funções, levou-o a dar por terminada a sua actividade liberal, mantendo a "empresa" somente pelo facto desta ser detentora de algumas propriedades.

Com o avançar da idade, o Arquitecto decidiu vender as referidas propriedades e encerrar definitivamente a empresa!

Rapidamente, surgiu um comprador para uma das propriedades. Acordado o valor do negócio, o velho Arquitecto pensou: "Agora, com as novas tecnologias e com o Simplex, isto vai ser rápido!"
Foi à Internet e solicitou a emissão da Certidão do Registo Predial. Foi fácil. Pagou no multibanco e rapidamente a Certidão ficou disponível. E,...é neste momento, que apanha um grande "susto":
A propriedade tinha o registo de uma penhora feita pela Fazenda Pública!

Como é que era possível? Penhoraram uma propriedade e não avisaram o proprietário?

Como é que era possível? Será que se tinha esquecido de pagar algum imposto?

Rápida e ansiosamente, entrou no site da DGCI de forma a ver o que é que a empresa devia...

Nada! A informação era de que a Empresa não tinha qualquer dívida. Foi ver a sua situação fiscal... a mesma coisa, não tinha dívidas.

Ficou mais descansado, e pensou: "Amanhã, vou à Loja do Cidadão e isto fica logo esclarecido e resolvido!"

E, assim foi. No dia seguinte dirigiu-se à Loja do Cidadão.

Depois de uma longa espera, foi atendido e explicou a situação...explicou é uma forma de dizer, porque assim que começou a falar, a funcionária com ar mal humorado interrompeu-o e disse-lhe que ali não se tratavam assuntos de empresas mas sim de particulares: "Tem que tratar disso numa Repartição de Finanças!"

O Arquitecto tentou explicar a situação, mas a funcionária com ar enfadado e sem querer ouvir repetia que tinha que tratar do assunto numa Repartição de Finanças! Já um pouco farto do ar enfadado da funcionária ainda arriscou: "E pode ser numa Repartição qualquer?" A resposta foi curta e seca: "Pode!!!"

Já era fim de tarde e a visita ficou para outro dia.

O Arquitecto decidiu ir tratar do assunto às Finanças de Alvalade. Retirou a senha e aguardou. Foram cerca de 45 minutos de espera mas, finalmente, ia esclarecer e resolver a situação.

Novamente, uma funcionária. Explicou-lhe o seu problema e a funcionária imediatamente lhe respondeu que não podia tratar do assunto ali!

"Como??? Na Loja do Cidadão disseram que era numa qualquer Repartição de Finanças!!!"

Não! Tinha que ser nas Finanças da área da sede da Empresa!

"OK! Tudo bem! Mas, a senhora não me pode informar qual a origem desta penhora?" – insistia o Arquitecto.

"Não, aqui não temos acesso a esse tipo de informação! Tem que se dirigir às Finanças da área da sede da empresa!"

O Arquitecto saiu a dizer mal da vida! Afinal, para que servia tanta tecnologia? Começava a não perceber o que se passava...

As Finanças da área da Sede da empresa são num lugar complicado e de difícil estacionamento, e por isso, o Arquitecto decidiu ir bem cedo de forma a não perder muito tempo. Chegou cedo... havia pouca gente...tirou a senha e dirigiu-se ao 1º andar. Um jovem fez-lhe logo sinal para avançar...estava a correr bem...ia ser rápido.

Explicou o seu problema e o rapaz, simpático, respondeu-lhe logo: "Compreendo a situação, mas hoje não posso fazer nada, pois não há "sistema". Nem Word temos! Tem que voltar noutro dia!"
O Arquitecto explicou-lhe o que lhe estava a acontecer e a sua passagem pela Loja do Cidadão e pelas Finanças de Alvalade e o seu crescente desespero em resolver e esclarecer a situação. E o jovem, repetiu da forma mais simpática que conseguiu, que compreendia, mas que não podia fazer nada sem "sistema"!

"Tem mesmo que cá voltar noutro dia!"

O Arquitecto saiu, mais uma vez a dizer mal da vida e a pensar no "sistema", nas tecnologias, nos cruzamentos de dados, no Simplex e na eficiência desta Administração Fiscal.

Ia voltar noutro dia! E voltou...
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Mas, hoje, já é muito tarde e a história ainda é longa...amanhã, espero ter tempo para contar o resto.

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