quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Uma história digna de Kafka (Continuação II)


Na Segunda-feira seguinte, o Arquitecto não conseguiu deslocar-se à Baixa. Fê-lo na Terça!

Lá se deslocou á Repartição e retirou a senha “I”! Depois da sua experiência dos últimos tempos, não hesitou, agora já sabia que a senha era a “I”. Sentou-se e aguardou a chamada... olhava para a senha e pensava com os seus botões como as coisas tinham mudado... tanta especialização... tantos assuntos... os assuntos alongavam-se por ordem alfabética da senha A até à J ou L... aquilo parecia o Atendimento da CML no Campo Grande: são tantos os assuntos e os temas que a pessoa tem mesmo que ir perguntar qual é a senha para o seu problema. Não há “Simplex” que resista...

De repente, os seus pensamentos foram interrompidos pelo som electrónico da chamada... era o seu número... mesa 12. Despistado e distraído, como sempre, foi à procura da mesa 12... não existia!
Já meio atrapalhado dirigiu-se ao balcão mais próximo e perguntou onde era a mesa 12. Era no 1º andar!

“Mas onde é o primeiro andar?”
“Sai para a rua entra na porta ao lado e é só subir!”
“Muito obrigado!” – replicou.
Apressado, o velho Arquitecto acelerou o passo em direcção à rua...

Chegado ao 1º andar, lá estava a mesa 12. A mesa sem funcionário! Um telemóvel em cima do balcão era sinal de que não devia estar longe. Aguardou...

Passado algum tempo, chegou uma funcionária. O Arquitecto explicou-lhe o seu problema, bem como o facto, do simpático colega da outra Repartição se ter comprometido a telefonar para ali de forma a que a Certidão pretendida fosse rapidamente emitida.

É nessa altura que a funcionária lhe diz:

“É verdade! Ele telefonou para cá, mas eu disse-lhe logo para ele avisar o senhor para não vir cá esta semana, pois a Chefe está de férias e nós não podemos fazer nada porque a Chefe tem que assinar a Certidão!”

O velho Arquitecto não queria acreditar no que estava a ouvir! Não era possível! Aquilo não lhe estava a acontecer!

O velho, em silêncio, olhou a funcionária nos olhos... ela continuava a mexer os lábios. Devia estar a dizer qualquer coisa, mas ele, momentaneamente, deixou de a ouvir...

Com voz calma e pausada, ignorando o que ela dizia, o Arquitecto perguntou-lhe: “Os senhores já ouviram falar numa coisa chamada «delegação de competências»?

“Já sim, mas neste caso e como é por pouco tempo não valia a pena!” – respondeu prontamente a funcionária.

O velho Arquitecto estava cansado! Não valia a pena protestar...

A senhora disse-lhe que ia preparar tudo, e que na Segunda-feira seguinte iria ver se era possível que a Chefe assinasse logo a Certidão.

O Arquitecto aceitou e compreendeu a situação... perguntou o nome à funcionária... e despediu-se cordialmente.

Saiu para a rua, respirou fundo, e pensou... só cá voltarei, quando a Certidão estiver pronta!

Na Segunda-feira seguinte, telefonou para a Repartição de Finanças e pediu para falar com a funcionária.

E, tal como já desconfiava, as coisas tinham mudado! Afinal, o processo tinha ido para outra colega que estava a tratar do assunto, talvez no dia seguinte estivesse pronta!

No dia seguinte, voltou a telefonar e pediu para falar com a segunda funcionária que estava a tratar do assunto. Simpática, afirmou que já estava tudo pronto e que só faltava a assinatura da Chefe, mas, no dia seguinte estava pronta de certeza e, por fim, um último conselho: “Venha preparado, porque vai ter que pagar 4,59 euros!”.

O Arquitecto tinha a percepção que a história estava a chegar ao fim. Apeteceu-lhe mandar a senhora para um certo sítio mas,... conteve-se! Agradeceu, e esperou pelo dia seguinte.

No dia seguinte, voltou a telefonar, e a falar com a funcionária, que lhe deu a Grande Notícia! A Certidão estava pronta e podia ir levantá-la!

O velho Arquitecto, deslocou-se novamente à Repartição de Finanças da Baixa, entrou no r/c, retirou uma senha “I”, saiu para a rua, entrou na porta ao lado e subiu ao 1º andar. Agora, já sabia os passos todos...

Foi atendido por um funcionário mal disposto que lhe passou uma “guia” de pagamento. Desceu à rua, entrou no r/c, aguardou que o chamassem e pagou 4,59 €!

Tornou a fazer o percurso, saindo à rua, entrando na porta ao lado e subindo novamente ao 1º andar. Dirigiu-se ao funcionário deu-lhe o comprovativo do pagamento e este deu-lhe uma folha A4 que era a Certidão “maldita” que há mais de um mês o velho Arquitecto procurava. Agradeceu e saiu com a folha de papel na mão.

O velho Arquitecto respirou fundo e pensou que nunca tinha chegado a conhecer a funcionária que finalmente tinha emitido a Certidão...

A “história” acaba aqui, mas, amanhã, ainda vou aqui falar daquela Certidão, em que quase tudo o que lá é dito é mentira ou inexacto.

O velho Arquitecto só se apercebeu disso mais tarde... para já, o seu “problema” estava aparentemente resolvido...

2 comentários:

José Rosário disse...

Depois de ter lido com muita atenção esta história digna talvez...dum filme cómico mas que é a realidade do nosso país actual, muita tecnologia com muita incompetência à mistura, faz-me concluir que conheço este «velho» arquitecto de algum lado!!!

alma disse...

Excelente narração kafkiana !
(muito paciente esse arquitecto)
:-)
um santo Natal !