sábado, 25 de abril de 2009

O NOSSO DESERTO

Aquele deserto era formado por um vasto areal muito árido e pontuado aqui e ali por oásis que variavam muito de dimensão.

No areal árido viviam uns pequenos seres que tinham a característica de serem coloridos: havia os encarnados, os azuis, os verdes, os amarelos, enfim...todas as cores do arco-íris se encontravam representadas naqueles pequenos seres.

Nos oásis viviam outros pequenos seres, aparentemente iguais aos que viviam no deserto, mas que eram cinzentos. Nos oásis só havia cinzentos todos os outros estavam proibidos de lá entrar. Nem sempre tinha sido assim mas, gradualmente, de forma sistemática e organizada os cinzentos tinham vindo a ocupar os oásis e, neste momento, tinham conseguido ocupar todos os oásis do deserto. Estes seres cinzentos tinham características próprias e diferentes dos outros, normalmente não riam e nunca falavam, a não ser entre eles e mesmo aí falavam muito pouco. Não se lhes conhecia uma única ideia, eram conhecidos somente pela sua desmesurada ambição de alcançar o poder e a riqueza a qualquer preço. Trabalhadores e organizados tinham conseguido finalmente dominar todos os oásis e expulsar todas as outras cores para o deserto.

Os seres de outras cores viviam no deserto e, por norma, junto dos oásis, de forma a receberem as esmolas que os cinzentos lhes davam e lhes permitia a sua sobrevivência.

Os cinzentos eram inteligentes e sabiam como manter o equilíbrio social no deserto. À conta das esmolas e benesses iam criando divisões e invejas entre os seres do deserto de forma a que estes nunca se organizassem e tomassem consciência da situação degradante em que viviam. Chegavam mesmo a, ocasionalmente, convidarem um ser ou outro de cor a entrar no oásis e, como que por milagre, esse ser rapidamente perdia a sua cor e também ele se tornava cinzento. Parecia magia.

Os cinzentos tinham a característica de provocarem a desertificação por onde passavam. Aquele deserto era tão extenso exactamente por isso. Os cinzentos eram constituídos por sal e por isso tudo à sua volta era “queimado”. Este facto tinha levado a que os seres de cor tivessem posto a alcunha de “salgados” aos cinzentos originais e de “salgadinhos” aos seres de cor que se tornavam cinzentos.

É neste deserto que um pequeno grupo de seres amarelos – que eram os menos numerosos, mas os mais adaptados à vida do deserto visto nunca terem vivido nos oásis. Eram os mais revoltados com a situação de não terem acesso aos oásis –decidiu iniciar a construção do seu próprio oásis e, às escondidas e a altas horas da noite, deram início a encontros para começaram a construir o seu oásis.

Estavam conscientes que não podiam ir muito longe, mas mais que não fosse, para provocarem os cinzentos salgados e salgadinhos puseram mãos à obra.

Começaram a chamar seres de outras cores, para participarem na construção de um oásis, e a cada dia que passava o grupo aumentava e o número de cores também. À noite lá se encontravam na árdua tarefa da construção do oásis.
A iniciativa começou a ser falada e rapidamente todo o deserto sabia que os seres de cor estavam a construir o seu próprio oásis. Quanto mais a notícia se espalhava mais seres aderiam.

Os cinzentos sabiam do que se passava desde o primeiro dia, mas estavam conscientes do seu poder, e só não se riam porque a sua natureza não lhes permitia o riso. Pensavam: “Enquanto andam entretidos com aquilo, não nos incomodam”. Faziam de contas que não viam e pura e simplesmente ignoravam.

A cada dia que passava, a noite era mais ruidosa. Os seres de cores, definitivamente, não eram como os salgados e salgadinhos. Falavam, riam, gargalhavam ruidosamente enquanto construíam o seu oásis.
De noite para noite o numero de seres aumentava e o ruído também. Este facto começou a incomodar os salgadinhos. Habituados ao silêncio da noite do deserto começaram a ficar incomodados com aquela algazarra que todas as noites se repetia e que ia aumentando gradualmente. Começavam a não conseguir trabalhar nem descansar, tal era o ruído.

Aquilo que estava a acontecer era desconcertante para os salgados e salgadinhos. Não percebiam como é que aqueles seres que não tinham nada conseguiam rir e dar sonoras gargalhadas. Perguntavam-se: “De que riem estes seres miseráveis? Nós que temos tudo não conseguimos rir-nos porque será que eles, que não têm nada, se riem?”

Os seres do deserto, entusiasmados, e perante a ausência de intervenção dos salgadinhos, começaram a acreditar que a construção do seu oásis era possível. Só os seres amarelos sabiam que isso não era possível, mas estavam a gostar de ver a alegria dos outros que durante aqueles dias acreditavam e sonhavam que era possível. Só por isso já tinha valido a pena.
Numa das noites, as anedotas sobre salgados e salgadinhos eram tão divertidas, e o barulho dos risos e gargalhadas subiu a tal ponto, que o salgado-mor que vivia no centro do oásis não conseguia dormir. Chamou os adjuntos e assessores e exigiu explicações sobre aquele barulho que não o deixava descansar. Estes, a medo, explicaram que a situação estava sob controlo e que aquilo que se passava não era importante e só tinha aquele factor negativo de provocar tanto ruído à noite. O salgado-mor ouviu e não gostou. Ordenou, imediatamente, que fosse posto fim à folia pois considerou que a atitude daqueles seres estava a por em causa a produtividade e o trabalho dos seres do deserto.

Nessa mesma noite os salgadinhos, obedientes, prenderam todos os amarelos sendo uns expulsos do deserto e outros deportados para as zonas mais longínquas. Os seres das outras cores que participavam na “festa da construção” foram espalhados pelo deserto, separados e colocados próximos de outros oásis, tendo, os salgadinhos desses oásis ,sido avisados do comportamento condenável daqueles seres.

O silêncio da noite voltou ao deserto e o salgado-mor pôde repousar em paz.

No dia seguinte, o Sol nasceu no deserto e viu com espanto e indignação que aquilo que vinha observando há largos dias e que tanto apreciara, tinha desaparecido!
Revoltado, disse: “Nos próximos três dias não visitarei este deserto nem lhe darei o meu calor e a minha energia! Venham as nuvens e descarreguem sobre este deserto toda a sua água!”

E assim foi, as nuvens vieram, taparam o Sol e durante três dias e três noites só houve noite e chuva torrencial em todo o deserto. Há mais de trinta e cinco anos que não havia memória de chover tanto e durante tanto tempo, naquele deserto.

Os salgados e salgadinhos, desesperados, tentavam fugir e esconderem-se da água. Mas era impossível...não havia para onde fugir. Alguns escondiam-se por baixo dos outros na tentativa de se salvarem. Os salgados eram feitos de sal e a água estava a derrete-los. Uns fugiram para outros oásis na esperança de lá encontrarem salvação. Mas não! A chuva era torrencial e por todo o lado. Outros, pediam ajuda desesperada aos seres de cores, que não eram de sal...mas estes sorriam e choravam de alegria ao ver aqueles seres arrogantes, desesperados e a...derreterem-se na areia do deserto.

Os verdadeiros salgados, que eram inteiramente constituídos por sal, derreteram-se e diluíram-se na areia do deserto, os outros, os salgadinhos, os tais que tinham cor e se tornavam cinzentos ao entrarem no oásis, ganharam de novo a sua cor original e o seu riso, pois a sua mudança de cor devia-se à cobertura de sal a que tinham sido sujeitos.

Quando as nuvens desapareceram, o Sol surgiu e alegrou-se ao ver, de novo, o deserto cheio de centenas de seres coloridos que com grande azáfama entravam e saíam dos oásis.

Estavam atarefados na reconstrução de uma sociedade mais justa e igualitária em que todos os seres, independentemente da cor, deveriam ter direito a viver e a ter acesso às riquezas e ao conforto dos oásis do deserto.

Os cinzentos salgados e salgadinhos tinham desaparecido!

1 comentário:

Anónimo disse...

Infelizmente parece que o dilúvio ainda vem longe enquanto os salgados e os salgadinhos pululam e conspurcam tudo o que tocam e contaminam as águas dos rios. Mas haja esperança talvez um dia...

o intruso