quinta-feira, 23 de julho de 2009

O TENENTE-CORONEL

No tempo em que a tropa era obrigatória, fiquei colocado na Casa de Saúde da Família Militar, enquanto a mobilização para Angola não se concretizava.

Era um dos militares responsáveis, por tudo o que acontecia no sector da Alimentação.

Um sector que tinha por função fazer as ementas gerais e as dietas, adquirir os produtos, fazer as refeições e distribui-las. Além disso tínhamos pessoal civil para desempenhar grande parte das tarefas. cozinheiros, pasteleiros e outros empregados.

Comparada com outras situações, não era mau! Nas noites em que ficava de serviço, fechava as portas do bar, ás 22 horas e ia para casa dormir.

Naquela noite, entrou uma empregada da sala de refeições, pelo escritório dentro, em alvoroço.

- Sr. Alferes! Sr. Alferes! … Está na sala um Tenente-Coronel que quer pão, mas o pão acabou!
- Então digam isso ao homem!
- Já dissemos, mas ele insiste. Quer pão e quer falar com o responsável.

Levantei-me e subi ao piso superior, onde se localizava a sala de refeições.

Devo esclarecer que o Tenente-Coronel, veio acompanhar a esposa ao internamento da Clínica da Casa de Saúde. Entrou fora de horas e não era suposto haver qualquer refeição, muito embora o nosso lema era desenrascar todas as situações.

- Boa Noite! Eu sou o responsável pelo Sector de Alimentação. Peço imensa desculpa, mas o pão acabou-se e não temos hipótese de o arranjar a esta hora da noite.

- Eu tenho direito à refeição completa, incluindo o pão! Portanto exijo pão!
- Mas como já expliquei acabou-se. Se telefonar agora o fornecedor de pão só virá entregar….
- Eu sou Tenente-Coronel e levanto-lhe um processo disciplinar se não me apresentar a refeição completa!

Enquanto o homem falava, eu já tinha uma táctica na manga, para calar a boca ao homem. Não estava com medo de nenhum processo, porque a razão estava do meu lado. Mas, lembrei-me que quando passei pela entrada de serviço havia uma montanha de lixo e nessa montanha estavam diversas carcaças, com mais de uma semana ao sol, fruto da greve dos nossos colegas da Câmara, os cantoneiros de limpeza.

Peguei numa carcaça com boa apresentação e atirei-a contra o muro. Na volta tive que me desviar. O muro devolveu-me a carcaça.

Olhei para ela e nem um arranhão! Aqui está a eleita!

Peguei na carcaça e mandei pô-la no forno, a aquecer cinco minutos, e de a servirem ao Tenente-Coronel…Numa bandeja.

Fiquei atrás de uma coluna, junto ao balcão para "gozar o prato".
Será que a vai comer?
Será que não toca no pão?
Será que vai pedir outro, porque aquele não está em condições?

Mas o nosso Tenente-Coronel não se desmanchou. Abriu a carcaça ao meio e tentou devorar o lindo papo-seco, que lhe ofereci para satisfação, da sua casmurrice.
No fim agradeceu o meu desempenho e o papo-seco! E lá me safei de um, hipotético, processo disciplinar.

Desculpem vou ter que terminar a história….Lembrei-me que este mês, ainda não entreguei, a lista de processos que informei, à minha chefia. É o papo-seco de uma outra história.
O SIADAP obriga-nos a cada coisa!

No meu serviço entrego listas no fim do mês, mas sei de outros, que todos os dias têm que entregar os papo-secos aos chefes!

A refeição pouco interessa se está bem confeccionada, se os temperos estão certos, se o tempo de cozedura está correcto, o principal é o raio do Papo-seco.

Na Câmara, não importa se resolvi algum processo importante ou de resolução extremamente difícil, se atendi bem os munícipes, se ficaram esclarecidos. Se descobri a pólvora ou a roda, se dei o meu contributo à solução de um problema que se arrasta há anos. O importante é que tenho que entregar a lista!

Esta é a maior preocupação dos funcionários: "fazer as listas para encher os olhos ao chefe". Não seria mais importante preocuparem-se com o trabalho? Com o comportamento? Com o atendimento? Com o desempenho?

Fazendo o Balanço (como na contabilidade) posso concluir que:
Como informei todos os processos que me enviaram, logo, com um pouco de sorte ainda vou ser aumentado…daqui a 10 anos, provavelmente…O que equivale ao papo-seco aquecido e barrado com manteiga de alho...

Nos dias que correm é um luxo, meus senhores! E daqueles que não é para todos. Só para os mais bonitos!

O buzílis da questão está aí! Quando olho para o espelho, descubro que sou feio e torto que nem uma marmita da tropa! Talvez o aumento venha daqui a… 20 anos…..!

1 comentário:

Numerobis disse...

Ó Galego, daqui até seres aumentado ainda vais comer o pão que o diabo amassou!