quinta-feira, 22 de abril de 2010

Será o Arquitecto Camarário um criminoso?


Foi com o seguinte texto que um colega anónimo comentou o meu post intitulado "A Câmara e o Facebook":

"Acha mesmo que vos "estão a transformar em criminosos?" Ou já são criminosos? Eu, arquitecto e felizmente fora de Portugal, sei como funcionam os arquitectos e engenheiros das câmaras. Não me diga que desconhece o facto... Mesmo sendo proibido acontece com muita frequência. Não que sejam todos mas sim uma grande maioria. E eu explico porquê só para não deixar dúvidas: os arquitectos e os engenheiros das câmaras estão em contacto permanente com os "clientes" o que facilita a "angariação" de projectos e sua aprovação (seja pela qualidade dos mesmos ou porque conseguem aprovação nos corredores. Mais: empregados públicos devem ser trabalhadores exclusivos. Esta é uma premissa de um estado de direito e de uma democracia. Assim evitam-se aproveitamentos. Tente ir trabalhar para uma empresa privada e dizer que faz projectos "por fora". Verá qual é a reacção. Por favor deixe-se de demagogias e limite-se à câmara e ao blog (do qual gosto bastante)."

Eu compreendo o que quer dizer. Mas, começando pelo fim do seu comentário, eu recuso-me a aceitar que aquilo que defendo e porque luto são "demagogias"! Eu sei que há muitos a pensarem como o colega! Mas eu não me conformo! Existem outras formas de organizar esta profissão!
Existem outras formas, mais justas, transparentes e honestas de exercer as funções de Arquitecto na função pública! O sistema actual está errado e viciado! Temos que trabalhar e combater para encontrar outro enquadramento legal desta profissão!

Infelizmente, poucos acreditam que é possível...

Voltemos ao início... claro que há criminosos! Sempre houve e sempre haverá! O primeiro criminoso, conhecido, foi Adão que cometeu "o crime" de comer a maça proibida!

A questão que se coloca passa exactamente por uma situação, não igual mas, semelhante: "Se lhe proíbem comer seja o que for... o que é que acontece? Você tem que sobreviver e torna-se um criminoso, roubando para comer!"

Aquilo que venho defendendo há mais de um ano neste Blog não são os Arquitectos camarários vigaristas e oportunistas! Claro que os há! Todos o sabemos e eu conheço alguns! E até lhe digo mais... não gostam muito de mim, nem daquilo que defendo.

Aquilo que defendo é diferente.

Aquilo que defendo é que é perfeitamente possível criar um sistema em que o Arquitecto camarário pode exercer ou não a sua actividade privada às claras, de forma transparente, pagando impostos como outro Arquitecto qualquer. A Lei actual que inibe esta actividade só provoca injustiças e ilegalidades porque quem quer fazer projectos "por fora" consegue-o fazer sempre! Os grandes prejudicados, nesta situação actual, são somente os Arquitectos camarários honestos, que se vêm proibidos de ter uma actividade criativa, valorizadora e um rendimento económico.

Em relação à angariação de projectos e ao favorecimento no andamento e/ou aprovação dos Projectos, cada vez é menos verdade. A última legislação publicada tem vindo a dar cada vez mais responsabilidade aos Técnicos autores e responsáveis do Projecto. Dentro em breve, quase não será preciso o Arquitecto camarário! Hoje as coisas estão muito diferentes da realidade de há vinte ou trinta anos atrás.

Hoje a análise e apreciação de projectos tem prazos rigorosos! Hoje existem Leis e regulamentos muito mais precisas e objectivas! Hoje um projecto para ser reprovado tem que ter uma fundamentação de facto e de Direito! Deixemos essa conversa da "aprovação nos corredores"!
Isso já não é bem assim! Ainda existe, mas não é ao nível dos Arquitectos camarários nem dos corredores! Esses tipo de aprovações, hoje, estão ao nível dos Gabinetes dos decisores.

E por fim a questão da exclusividade.

Se somos trabalhadores em exclusividade porque é que ganhamos estes salários miseráveis, degradantes e humilhantes? Se somos trabalhadores em exclusividade temos que ser remunerados de forma diferente!

Se estamos em exclusividade porque é que temos que pagar quotas à Ordem? Qual é a sua utilidade para nós? Porque é que os outros licenciados não têm essa obrigação? Porque é que a Câmara paga a quota da Ordem dos Advogados aos seus Advogados que têm que estar inscritos na Ordem?

Veja os médicos. Conhece algum que trabalhe em exclusividade para o Estado? De todos aqueles que conheço, e são muitos, só conheço um nessa situação e adianto-lhe... não é o mais competente dos que conheço. E digo-lhe mais... recebe uma compensação económica por estar em exclusividade!

O colega sabe como é que a Câmara de Lisboa assegura a formação, valorização e actualização dos seus Arquitectos? (Estou a falar da de Lisboa agora imagine as outras...) Leia a fábrica de medíocres que eu escrevi há dias e vai compreender o que estou a dizer.
Por fim, e não querendo ser demagógico, perante o actual enquadramento legal da profissão de Arquitecto camarário, a única incompatibilidade que encontro é a de se ser Arquitecto camarário e honesto! É impossível! E nisso o anónimo tem razão: somos todos criminosos!
Como vê estas questões não são poucas nem simples. Existem injustiças demais!

Se o Anónimo chegar a ler este texto agradecia que me dissesse se continua a achar que tudo isto são "demagogias"...

Um muito obrigado pela sua participação neste Blog e também por gostar.

Bem haja!

Uma nota final: Seria bom que a Ordem dos Arquitectos também olhasse para estes textos, e não só para aqueles que falam da sua "espectacular revista JA". Infelizmente, não acredito que leiam... a Ordem dos Arquitectos está mais preocupada em "olhar para o seu umbigo"...

8 comentários:

Numerobis disse...

Não sei se o "anónimo" ficou mais consciente da realidade, mas pela parte que me toca, estou totalmente de acordo com a argumentação que o meu caro Arquitecto apresenta no texto.

Anónimo disse...

numerobis: o "anonimo" nao tem qualquer problema em assumir o seu nome desde que este não seja "publico".
Quanto à contra-respota irei demorar mais algum tempo. Argumentos não faltam mas quero ser objetivo. Os meus sinceros cumprimentos pela forma como foi exposta a resposta.

Anónimo disse...

Posso estar enganado...mas em tempos assisti a um congresso dos arquitectos na função pública e segundo oradores desse envento, os arquitectos que trabalham na função pública não estão em regime de exclusividade, devendo no entanto solicitar a acumulações de funções através de requerimento o qual não pode ser rejeitado sem fundamento...

"O Arquitecto" disse...

Os tempos mudaram!
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades1"
Actualmente, a Câmara de Lisboa não nos autoriza a acumulação de funções para o exercício da profissão!
A única acumulação de funções que estão a autorizar é para o ensino universitário! E dar aulas na Universidade não é exercer a profissão de Arquitecto! Para dar aulas não necessita estar inscrito na Ordem pois não está a praticar os famosos "actos de Arquitectura"!

arquitectoanonimo disse...

Vou procurar a documentação relativa a esse evento e depois dou noticia...Já agora com que fundamento legal a câmara nega esse pedido?

"O Arquitecto" disse...

Julgo que a fundamentação legal é a da Lei 12a/2008 publicada na 1ª série do Diário da República a 27 de Fevereiro de 2008, nomeadamente nos seus artigos 28º, 29º e 30º.
Contudo em Lisboa as coisas têm piorado devido a várias afirmações públicas do poder político, como por exemplo o Sr. Presidente António Costa que já por várias afirmou que defende a separação completa do trabalho no sector público do trabalho no sector privado.
Ou seja, ou se trabalha para o público ou para o privado!
Observamos a mesma ideia naquilo que aconteceu há bem pouco tempo com os médicos... só que esses têm outro poder bem diferente dos pobres arquitectos camarários...
Um abraço e obrigado pelo seu interesse.

arquitectoanonimo disse...

Realmente a legislação anterior nomeadamente o DL 41/84 e DL 413/93 foi revogada pela Lei 12-A/2008.
No entanto, após a leitura dos referidos artigos (28.º, 29.º e 30.º) nada impede que um arquitecto com funções na câmara não possa exercer a sua actividade no privado, garantindo naturalmente a separação das duas funções "1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o
exercício de funções pode ser acumulado com o de funções
ou actividades privadas."
um abraço e boa sorte para essa batalha

Anónimo disse...

Boa noite! estive a ler o seu post e concordo com o seu ponto de vista, no entanto, suscitaram-me algumas dúvidas,referentes à função dos arquitectos na câmara? a função é aprovar e chumbar projectos? é ajudar os munícipes a elaborar projectos para o desenvolvimento local? os arquitectos têm o dever de fazer o projecto ou apenas dão orientações? há algum decreto-lei referente a esse tema? pode responder-me-me para o meu e-mail :calucastedo@hotmail.com
obrigada pelas suas palavras, pelo blog. Continue a escrever :) Carmen Rodrigues